terça-feira, 3 de novembro de 2015

BENJAMIM - Chico Buarque

Chico Buarque volta ao romance com o onírico Benjamim e revela que sua maior inspiração literária é a música

Ao contrário do tom confessional de Estorvo, Benjamim, o aguardado e até ontem misteriosíssimo segundo romance do cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda, é narrado em terceira pessoa. Mas, nem por isso, perde o tom onírico e difuso com que Chico já flertava no livro anterior - até então só havia se aventurado em peças, como Gota d'água, Ópera do malandro e Roda viva, e na novela Fazenda modelo. Mas, longe de um imparcial observador da trama, Chico constrói a história a partir do olhar de cada personagem. O resultado é um livro surpreendente, onde as palavras são manipuladas para construir imagens perfeitas que poderiam estar numa das letras do autor. Nas livrarias na próxima sexta-feira, Benjamim (Companhia das Letras) é falsamente simples. Tão simples que mata o protagonista no primeiro parágrafo.
A história é um delírio do ex-modelo fotográfico Benjamim Zambraia segundos antes de morrer num, a princípio, nebuloso fuzilamento. Obcecado por Castana Beatriz, ex-namorada morta, ele encontra Ariela Masé, uma jovem que se transforma na continuação da amada perdida, com quem é estranhamente parecida. Os dois personagens surgem em situações paralelas que vão se chocando até o final genial. As emoções são mais vividas que narradas, num ritmo que, mesmo extremamente cinematográfico, e, acima de tudo, musical.
A cidade não é o Rio, mas parece. O casal central e os personagens secundários - o político cretino, o marido policial entrevado, o chefe capaz de esfregar na cara a toalha usada por Ariela, por exemplo - poderiam ser de Rubem Fonseca. Mas Chico não pensa duas vezes ao indicar a maior influência de sua literatura ''Meu mentor é a música", admite (leia entrevista na página 5 ).
Ritmada, descritiva sem ser realista e recheada de passagens onde nenhuma emoção precisa ser explícita para que se saiba o que sente o personagem, a narrativa de Benjamim não é vertiginosa como a de Estorvo. Vai por estrofes de canção e se repete em refrões, até ganhar velocidade perto do fim. Chico diz que as citações são todas cinematográficas ou literário-musicais, sem nada específico.
Mas o leitor que buscar em Benjamim o lirismo de um dos maiores pintores da música brasileira fará suas próprias relações. E encontrará quadros conhecidos, como quando Ariela termina um capítulo sob a luz rasante do sol descendo uma rua, mirando-se não nas Vitrines, mas nas fachadas alternadamente, "lado ímpar e lado par, ímpar e par".
Benjamim acredita ter encontrado em Ariela a filha ilegítima deixada pela idealizada Castana Beatriz. Ao redor dos dois circula Alyandro, o bandido promovido a político, o chefe de Ariela e outros espectros, que entrecortam e contracenam sem se ver, como no momento em que a narrativa segue um comício numa praça. O resultado lembra a câmera sem corte de Robert Altman na abertura de O jogador. Tudo acontece para voltar aos segundos antes da morte que inicia o livro, num ciclo em que os personagens são descobertos aos poucos, enganam o leitor sem querer e se revelam uns para os outros.
Mesmo dentro do sonho, os personagens ganham realidade e o leitor vira cúmplice involuntário ou angustiada testemunha muda. Chico conta primeiro ao leitor o fim do livro e o obriga a assistir, calado, o destino de Benjamim. Unindo e separando Ariela e Benjamim, ele apresenta ao leitor a verdade (?) sobre Castana e sua luta política e sobre o policial Jeovan, paralítico graças a um tiro. Benjamim e Ariela caminham nervosamente para um endereço que só Ariela e o leitor conhecem, para onde ela já levou muitos homens e que Benjamim conhece, mas não sabe disso ainda. Nas 170 páginas de Benjamim, Chico confunde e guia através da neblina da mente de Benjamim e mostra como o clima onírico de um delírio derradeiro pode ter jeito de diário.

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